quarta-feira, 3 de julho de 2024
Oi vó, tudo bem? É a Rafaela aqui, sua segunda neta. Tem tanta coisa que eu gostaria de ter conversado com a senhora, mas nunca consegui. Meu pai fala que a senhora morre de orgulho de mim e da gente, mas nem sempre senti isso. Na verdade, eu nunca me senti parte “do seu lado” da família. Exceto quando o vovô era vivo. Dele eu me sentia próxima e até hoje sinto uma conexão. Mas a senhora me parece distante. Sempre foi. As vezes que a senhora recusou abraço, alegando qualquer vergonha ou coisa do tipo. Lembro também de quando falava de mim para o meu pai, nem sempre com aprovação. Enfim. São algumas mágoas. Por outro lado, me sentia especial quando recebia um pano de prato bordado especialmente pra mim e guardo até hoje o porta calcinha, com o meu nome bordado, fruto de suas primeiras aventuras com bordado. Aliás essa é uma das coisas que mais admiro na senhora. Se começou a bordar quando eu era criança, tem mais ou menos uns 30 anos de atividade... então começou depois dos 50 e poxa vida! Isso me dá esperança de ainda arrumar tempo pra aprender a bordar, a fazer tricô ou voltar a desenhar com excelência. Uma das lembranças mais prazerosas da minha infância é a da “vovó que fazia chup-chup”. Cara, era maravilhoso chegar na sua casa e ter chup-chup que outras crianças compravam. E a senhora dava alguns pra gente levar. Era bão. E também o pão de queijo com o SEU pernil. Enfatizo o pronome possessivo porque tinha que ser o SEU tempero. Putz. O pão de queijo propositalmente com um pouco menos de sal e o pernil divinamente temperado, molhadinho. A senhora consolidou o cheiro do natal nas nossas vidas. Natal não é natal sem o seu pão de queijo com pernil. E falando em lembranças da infância, não posso deixar as galinhas de lado. Eu tenho um amor especial por pintinhos desde que me lembro por gente, brincando no seu galinheiro. Eu sei que a senhora os criava pra matar, naturalmente. Mas ninguém me convence de que a senhora não os amava. Mesmo que os mate e os cozinhe maravilhosamente bem. Eu acho que a senhora tinha o galinheiro como criação, é verdade, mas também como um meio de distração da solidão. Assim como as plantas. Aquela pitanga, as jabuticabeiras, as hortaliças, a ora-pro-nóbis. Fiquei feliz que gostou da flor de maio que te dei. Maio é o seu mês. De aniversário, de mãe, do seu descanso. Bem taurina do segundo decanato: analítica e mental. Jeitinho racional e mais frio. Mas eu te entendo vó, ou estou tentando te entender. Sua vida não deve ter sido fácil e se colocar distante facilita as coisas. Neta de ameríndia com negro. Filha de mãe com sobrenome “Maria de Jesus” e espanhol, o Rosa. Casa com um filho de italianos e perde a segunda filha com poucos meses. Passou por dificuldades que não chego perto de imaginar. A vida não te poupou e a senhora também não flexibilizou pra ela, e nem pra ninguém. Na nossa última conversa por vídeo, a senhora falou que tava muito feliz por mim, por eu estar aqui na Itália e me mostrou a florzinha que te dei. Flor de maio! Hoje eu queria comer mais uma vez seu pão de queijo com pernil e o feijão do caldeirãozinho de ferro e ser impedida de lavar a louça na sua cozinha. Queria tomar um café com bolacha maria sentada na sala enquanto a senhora fala “tá bom né, graças a Deus” enquanto mostra alguns novos bordados. Obrigada vó. Obrigada por não ter desistido, por não ter desanimado e por ter lutado tanto. Obrigada por ter vindo se despedir de mim. Obrigada pelo pai que me deu, pelas memórias, pelos bordados, pelas mudinhas, pelos chup-chups, pelas jaboticabas, pela coxa de frango frita, pelo pão de queijo com pernil, pelas orações, pelo carinho e por ter sido minha vó. Agora descansa, a dor passou. Dá um beijo no vô Tonho por mim. Te amo.
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